Visão externa sobre os queijos artesanais do Brasil

Apresentamos a visão do Daniel Strongin, americano e radicado no Brasil, que é um profundo conhecedor do mercado de queijos artesanais nos Estados Unidos e no Brasil. “Dan”, como é mais conhecido é o grande coordenador dos jurados do Prêmio Queijo Brasil. Esteve em Jaguaribe-CE, em outubro 2017, quando ministrou uma palestra no Festival do queijo Coalho do Ceará.

Veja o olhar do gringo Dan sobre os queijos artesanais do Brasil.

Sobre a serendipidade*, o senso comum e a justiça social.

* Aquilo que acontece ou é descoberto por acaso, de modo imprevisto, inesperado. 

Dan Strongin – 30 de Novembro de 2018.

No dia 9 de novembro de 2018, foram anunciados os resultados do quarto Prêmio Anual de Queijo Artesanal brasileiro. Nos dois dias anteriores, 481 tipos de queijos artesanais de todo o Brasil foram analisados ​​por 12 equipes de juízes selecionados e treinados, trabalhando em equipes de um juiz técnico, e um juiz sensorial, inspirado pela American Cheese Society Competition.

Ao contrário dos Estados Unidos, que haviam praticamente perdido sua rica tradição de fabricação de queijos artesanais sob o peso do progresso industrial em 1904, o Brasil manteve uma tradição ininterrupta de dezenas de milhares de pequenas fazendas familiares que produzem queijo.

Desde 1950, quando o Brasil seguiu o exemplo da política de saneamento alimentar dos EUA, copiando a lei americana de 1949 exigindo que todos os queijos com menos de 60 dias teriam que ser feitos a partir de leite pasteurizado, os efeitos na agricultura familiar foram devastadores. Muitas dessas famílias ficaram no subsolo. O Brasil é um país subdesenvolvido. O nível de pobreza rural é alto.

Nos Estados Unidos, essa lei não foi contestada até o ressurgimento de queijos artesanais nos anos 80. Apenas não havia fabricantes de queijo artesanais suficientes usando leite cru, até então, para questionar aspectos da lei.

No entanto, no Brasil, a lei desferiu um golpe cruel aos muitos milhares de pequenos agricultores que foram forçados a ir para a clandestinidade para sobreviver e permanecer em suas fazendas. Ironicamente, o desafio social dominante que o Brasil enfrenta há décadas é a migração de pessoas do campo para as cidades, forçadas a viver em condições cada vez mais desumanas dentro e ao redor das grandes cidades.

Sob crescente pressão de acordos internacionais, intermediados pela Organização Mundial do Comércio, o mundo está caminhando para controles de saneamento de alimentos mais pragmáticos e descentralizados. Em todos os casos, em todos os setores, esses tipos de controles, baseados em boas práticas e melhorias contínuas, mostraram-se mais eficazes do que as atuais políticas burocráticas de cima para baixo.

Nos termos dos acordos da OMC, os Estados membros envolvidos no comércio internacional devem:

  • Fornecer uma base científica para qualquer regulamentação alimentar
  • e passar do antagonismo
  • e a dependência de inspeção
  • a colaboração entre autoridades e produtores e a definição e gestão dos riscos locais durante a fabricação de queijos.

Hoje, até mesmo o FDA (Food and Drug Administration, correspondente a ANVISA no Brasil)) questionou a eficácia do uso do tempo de maturação para garantir a segurança e suspendeu a contagem de coliformes não patogênicos como uma medida da relativa higiene na sala de ordenha ou na sala de queijos para o queijo artesanal.

O Brasil aprovou recentemente uma nova lei federal, chamada lei do Selo Arte (Lei nº 13.680, de 14 de junho de 2018), exigindo a simplificação das exigências para que os produtores artesãos passem por inspeções e pela unificação do sistema de normas um tanto bizantino, e aprovações em um único sistema, regulamentado pelos estados.

Pela primeira vez os produtores atualmente registrados e inspecionados pelos estados têm o direito de vender seus produtos artesanais tradicionais de origem animal em todo o Brasil; embora a implementação esteja atrasada, está avançando…..

Voltando ao julgamento do Prêmio Queijo Brasil, depois que as equipes, organizadas em mesas individuais, sentadas diretamente uma na frente da outra, avaliaram 481 tipos de queijo, e todos os ganhadores de medalhas foram escolhidos, os 61 ganhadores da medalha de ouro foram avaliados pela segunda vez. Destes, cada equipe escolheu o melhor em sua mesa e continuou até restar apenas um punhado de queijos, dos quais seria escolhido o melhor dos melhores.

O vencedor do melhor queijo no Prêmio Queijo Brasil deve ser por consenso entre os juízes. Então cada juiz falou em favor do seu favorito dos queijos.

Entre os quatro queijos restantes na mesa de corte, no momento da decisão final, havia um queijo de leite de búfala branco, simples e fresco.

Nas palavras de Eduardo Tristão Girão, jornalista gastronômico, que participou como juiz do Prêmio, como postado em seu Instagram, @eduardotristaogirao, disse: “Ontem, eu e os outros juízes do Prêmio Queijo Brasil ficamos profundamente comovidos. Na fase final do concurso, depois de vermos excelentes queijos de todo o Brasil, tivemos que selecionar o vencedor na categoria “Super Ouro”, o melhor dos melhores. Além disso, quando decidimos que o vencedor seria um queijo cremoso de leite de búfula da Fazenda São Victor @queijomarajofazendasaovictor, no município de Salvaterra, na Ilha de Marajó (PA), muitos choraram”.

Não se trata apenas de escolher o melhor queijo com base nas planilhas de avaliação. Este prêmio é muito mais do que isso: entendemos e discutimos a dimensão política e social representada pela conquista de um Super Ouro. Escolhemos o queijo Marajó porque, na verdade, ele é excelente, e depois de várias avaliações técnicas ter sido avaliado várias vezes, ele chegou ao topo.

Tem uma textura macia e homogênea: branco, untuoso, de sabor suave e acidez discreta e bem equilibrada, seria difícil questionar sua presença entre os melhores queijos brasileiros em 2018. 

No entanto, o contexto em que este queijo é tão especial tem que ser entendido: 200 anos de tradição em uma ilha no extremo norte do país, entre os quais apenas 10 produtores certificados permanecem vivos.

Com dificuldades logísticas óbvias, acesso limitado por meses do ano, envolvido em um imbróglio burocrático que impede sua venda fora do Estado do Pará, é uma triste situação para os queijos artesanais e brasileiros em geral. Uma situação que as pessoas de queijos afirmam e conhecem muito bem.

Por um lado, somos jurados, mas também estamos envolvidos com a causa do queijo artesanal brasileiro. Não há como o resultado ser diferente.

De 1950 até 2014 este queijo foi produzido e vendido ilegalmente, apesar de sua longa história e sua importância para o patrimônio cultural e agrícola do Brasil. Ainda não pode ser vendido fora do Estado do Pará, embora isso mude e logo. O melhor queijo no Prêmio Queijo Brasil tem uma maneira de chamar a atenção da mídia.

Tenho orgulho de ter coordenado este evento, junto com minha parceira técnica Michele Carvalho. Tenho orgulho da organização da ComerQueijo, um jogo de palavras, que significa “comer queijo”, uma organização de pessoas que se dedicam à venda de Queijos Artesanais em todo o Brasil.

Sou grato àqueles da American Cheese Society que ofereceram conselhos generosos quando eu estava planejando o julgamento há alguns anos, especialmente ao David Grotenstein.

Num momento de serenidade, fui chamado para explicar sobre os queijos a dois jornalistas de língua inglesa, Xanthe Clay, do Daily Telegraph, e Janet Forman, dos Estados Unidos. Por sorte, Janet é amiga de David Grotenstein. Ela vai entregar meus sinceros agradecimentos a ele diretamente.

Ambos os jornalistas ficaram surpresos que a grande maioria dos queijos artesanais de leite cru na competição, e em todo o Brasil, são feitos com culturas primárias de soro de leite feitas na fazenda, não são compradas em laboratórios, e ninguém tem problemas com fagos.

Dan Strongin é ex-presidente da American Cheese Society, chef e coach de negócios para empresas de pequeno e médio valor agregado. Dan pode ser contatado pelo e-mail dan@danstrongin.com

Fonte: Cheese Reporter (traduzido)

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